PESQUISAS E DOCUMENTOS

É de quase dois séculos a tradição do movimento mudancista que culminou com a inauguração de Brasília, em 21 de abril de 1960, como capital do Brasil, razão pela qual Juscelino Kubitschek de Oliveira definiu-a com muita propriedade quando disse: "Essa cidade não é uma improvisação, mas um amadurecimento".

Em 1763, no reinado de José I, por decisão do Marquês de Pombal, primeiro-ministro de Portugal, o Rio de Janeiro, substituindo Salvador, torna-se a capital colonial. Era cidade pequena e sem grandes atrativos, exceto a exuberante beleza natural. Puxado principalmente pelos interesses na mineração do ouro em Minas Gerais.

Mas a idéia da mudança para o interior não demora a brotar. Por razões de natureza político-militar, ela floresce em Minas (Vila Rica), em 1788-89, anos marcados pelo declínio e crise da própria mineração. Surge o ideário de grupo de intelectuais conhecedores da filosofia das luzes (o Iluminismo). Poetas, juristas, cientistas e religiosos, aliados a militares, mineiros, comerciantes endividados e gente do povo. Um sonho libertário. Mais que de todos, de um alferes sem medo e semeador de esperança: "Se todos quisessem, poderíamos fazer do Brasil uma grande nação", Joaquim José da Silva Xavier (Tiradentes), herói-mártir da Independência, enforcado, decapitado e esquartejado em abril de 1792. Nos planos da Conjuração, que não se completaram, estavam a Independência, a República e também a nova capital: a Vila de São João del-Rei.

Todavia, de fato concreto só se sabe, pelo "Autos de Devassa", que os Inconfidentes Mineiros, em 1789, deram o primeiro passo levantando a tese da fixação da capital no interior. Nas suas reivindicações à Corte de Lisboa, os Inconfidentes incluíram esta justificativa, assinalando duas razões: 1) estratégica, porque a capital do País ficaria melhor defendida; e 2) demográfica, em virtude do desejo de a Corte promover o rápido povoamento das províncias do centro.

O Conselheiro e Chanceler Veloso Cardoso de Oliveira sustentou em Memorial, datado de 1806, ser "preciso que a Corte não se fixe em algum porto marítimo, principalmente se ele for grande e em boas proporções para o comércio", pois "uma capital se deve fixar em lugar são, ameno, aprazível e isento do confuso tropel das gentes indistintamente acumuladas".

Esta preocupação portuguesa pelo interior brasileiro vincula-se especialmente, ao fato histórico da ameaça da Revolução Francesa a Lisboa, o que obriga a Corte daquele país a refugiar-se na sua colônia, o Brasil.

Quando a família imperial e a alta administração portuguesa chegaram ao Brasil, em 1808, a questão da capital no interior foi abordada. Tinham sabiamente fugido da máquina de guerra napoleônica. Sabiam que o Rio de Janeiro, à beira-mar, era muito vulnerável à invasões estrangeiras.

Em 1808, Hipólito José da Costa Pereira Furtado de Mendonça, exilado em Londres, lança um jornal em português – "Correio Braziliense" – para, entre outros assuntos, justificar o imperativo da "transferência da capital para o interior central, onde serão lançados os fundamentos do mais extenso, ligado e bem defendido império do mundo", porque o Rio de Janeiro "não possui nenhuma das qualidades que se requerem na cidade que se destina a ser a Capital do Império".

O "interior central", assinalado pelo conceituado jornalista do século XIX (que é também o primeiro profissional brasileiro de imprensa) se situa "nas cabeceiras dos grandes rios" numa posição que "se pode comparar com a descrição que temos do paraíso terreal". Até 1822, Hipólito da Costa bate-se pela mudança.

Os pernambucanos, durante a Revolução de 1817, também apóiam a tese mudancista, na palavra de um dos seus líderes, o Padre João Ribeiro. Sugere João Ribeiro "uma cidade central para residência do Congresso e do Governo" e cujo local "poderia ser escolhido na Paraíba".

Com Hipólito da Costa e João Ribeiro, o movimento mudancista da capital ganha grande repercussão, coincidindo com os ideais nacionalistas. Assim, em 1821, na véspera do "Grito da Independência" de D. Pedro I, José Bonifácio de Andrada e Silva inclui nas "instruções dos Deputados Paulistas à Corte", a seguinte sugestão: "Parece-nos, também, muito útil que se levante uma cidade central no interior do Brasil para assento da Corte ou da Regência e que poderá ser na latitude pouco mais ou menos de 15 graus, em sítio sadio, ameno, fértil e regado por algum rio navegável".

Noutro trecho, dizem as "Instruções" que "daquela Corte, central, proposta, dever-se-ão logo abrir estradas para as diversas províncias e portos de mar, para que se comuniquem e circulem com prontidão as ordens do Governo e se favoreça por elas o comércio interno do vasto Império do Brasil".

Nesta mesma oportunidade, José Bonifácio propõe que a "Capital do Reino" tenha a "denominação de Petrópole, Brasília ou outra qualquer". Ao ser elaborada a Constituição Portuguesa, no mesmo ano, Bonifácio apresenta o seguinte artigo: "No centro do Brasil, entre as nascentes dos rios confluentes do Paraguai e do Amazonas, fundar-se-á a Capital deste Reino, com a denominação de Brasília ou outra qualquer". É, assim, no início de 1822, a primeira vez que se ventila o nome "Brasília" para capital do Brasil.

Poucos meses antes do início do Brasil Império, vários artigos são adicionados à Constituição Portuguesa e um deles prenuncia "uma nova Capital" no "centro daquele" país. É, portanto, o primeiro documento com força de lei e cuja íntegra é a seguinte: "O Congresso Brasiliense ajuntar-se-á na Capital, onde ora reside o Regente do Reino do Brasil, enquanto se não funda no centro daquele uma nova Capital". As "Reivindicações" dos Inconfidentes são, finalmente, atendidas depois de longo amadurecimento.

A partir desta data, a interiorização da capital passa a integrar todos os documentos nacionais.

No mesmo ano de 1822, registra-se importante manifestação popular em favor da interiorização. Trata-se do "Manifesto do Povo", com oito mil assinaturas, e entregue a D. Pedro I pelo presidente do Congresso, Clemente Pereira. O documento pede a D. Pedro I que não aceite a ordem da Corte de retornar a Lisboa, ao que o Príncipe Regente responde afirmando no dia 9 de janeiro de 1922: "Diga ao povo que fico". Naquele mesmo documento, lê-se, como principal argumento, o seguinte: "O povo julga que se faz mais necessário para a futura glória do Brasil que Sua Alteza Real, ao invés de viajar pelas Cortes da Europa, visite o interior deste vastíssimo continente".

O Brasil dá assim, em 1822, uma demonstração de força popular libertadora, o que apressa a Independência, ocorrida poucos meses depois (7 de setembro); da mesma forma, dá também uma demonstração do interesse de todos pelo "interior deste vastíssimo continente".

É também naquele ano que Menezes Palmiro sugere, após o "Grito" do Ipiranga, a criação de uma província central para a construção da Capital definitiva do Império, e que seria batizada com o nome de Pedrália.

Aproveitando-se da situação psicológica existente, José Bonifácio propõe à Assembléia Constituinte, na sessão de 9 de junho de 1823, que a Capital do Brasil Império seja mudada para Paracatu (criada oito anos antes). Ao mesmo tempo, sugere o Patriarca que a nova Capital receba "o nome Petrópole (Cidade de Pedro) ou Brasília", através de uma Memória "sobre a necessidade e meios de edificar no interior do Brasil uma nova Capital".

Durante o Brasil Império há uma preocupação constante em se estudar o local ideal para a implantação da nova cidade.

O historiador e diplomata Francisco Adolfo Varnhagen (mais conhecido por Visconde de Porto Seguro) desempenha, neste particular, papel de relevância, indicando inclusive, o Planalto Central, onde esteve em 1877. Varnhagen ocupa-se do assunto durante 43 anos, ou seja, de 1834 a 1877, quando faleceu.

Numa de suas obras, Varnhagen conclui afirmando que "há uma região, no Brasil, a respeito da qual julgo que deveríamos já dar algumas providências, a fim de ir preparando-a para a missão que a Providência parece ter-lhe reservado". Tal região fica "entre as três Lagoas – Formosa, Feia e Mestre D'Armas". Neste exato local hoje se situa Brasília. Noutro documento – uma Carta ao Ministro Tomás Coelho, da Agricultura –, Varnhagen confirma, mais tarde, em 1877, o seu pensamento anterior, afirmando que "essa paragem, bastante central, onde se deve colocar a Capital do Império, parece, quanto a nós, está indicada pela natureza na própria região elevada do seu território, donde baixariam as ordens, como baixam as águas que vão pelo Tocantins ao Norte, pelo Prata ao Sul e pelo São Francisco a Leste".

As observações de viagens e sugestões de Varnhagen têm grande repercussão, à época, e merecem muito crédito. Tanto isso é verdade, que Holanda Cavalcanti inspira-se nos seus trabalhos para justificar perante o Senado, em 1852, a apresentação de um "Projeto de Lei de Mudança da Capital". A proposição dispõe sobre a construção da nova capital "nas latitudes de 10 a 15 graus-Sul", nas regiões do Planalto Central. O Marquês de Paranaguá, no ano seguinte (1853), pleiteia a mudança para os limites entre Bahia e Minas Gerais. Em 1875, o senador Jobin pronuncia discurso, no Senado, defendendo a interiorização da Capital.

Alia-se, a estes fatos, o sonho profético de D. João Bosco, ocorrido no ano de 1883. O fundador dos Salesianos narra-o, numa reunião do Capítulo Geral de sua Congregação religiosa e o Padre Lemoyne transcreve-o, submetendo-o, depois, à correção do Santo. Pelo que nos informam suas "Memórias Biográficas", Dom Bosco tem uma antevisão das riquezas do Planalto Central brasileiro, onde seria fundada "uma nova civilização". A coincidência geográfica do local descrito pelo Padre, "entre os paralelos 12 e 20" e a situação de Brasília "entre os paralelos 15 e 20" levam estudiosos e a imprensa de todo o mundo a associar os dois fatos. O Santo focaliza entre os paralelos citados a "Terra Prometida" num "leito muito largo e muito extenso, partindo de um ponto onde se forma um lago". Esta nova descrição, retirada de um dos trechos do sonho, situa-se em paralelo com "o leito largo e extenso" das terras do altiplano onde está Brasília, ao redor da qual "se forma um lago".

Com a Proclamação da República, em 15 de novembro de 1889, a necessidade da mudança da capital constitui uma das principais preocupações dos juristas, ao redigirem a Constituição, entre os quais Rui Barbosa.

Na Constituição Provisória, o artigo 2º afirma que: "Cada uma das antigas províncias formará um Estado e o Antigo Município Neutro constituirá o Distrito Federal, continuando a ser a Capital da União, enquanto outra coisa não dliberar o Congresso" e "se o Congresso resolver a mudança da Capital, escolhido para este fim o território mediante o consenso do Estado ou Estados que tiver de desmembrar-se, passará o atual Distrito Federal de-per-si a constituir-se um Estado".

Durante os trabalhos de elaboração da Constituição Republicana, concluída no ano seguinte (1891), o senador baiano Virgílio Damásio, durante os debates, propõe o nome de Tiradentes para a nova capital, tendo inclusive, apresentado emenda nesse sentido, mas é rejeitada. Num de seus discursos, Damásio condena, em termos violentos, a capital no Rio de Janeiro. De sua autoria e do senador Lauro Müller (Santa Catarina), com apoio de 86 outros congressistas, é a emenda que ao ser aprovada transforma-se no artigo 3º daquela Constituição, outorgada em 24 de fevereiro de 1891 e que diz:

"Fica pertencente à União, no planalto central da República, uma zona de 14.400 quilômetros quadrados, que será oportunamente demarcada, para nela estabelecer-se a futura Capital Federal.

Parágrafo único – Efetivada a mudança da Capital, o atual Distrito Federal passará a constituir um Estado".

Os primeiros presidentes republicanos, tanto Deodoro da Fonseca quanto Floriano Peixoto, manifestam, em mensagens à Câmara e ao Senado, o empenho de que são desejosos de cumprirem o preceito constitucional.

Um ponto decisivo, porém, para a fixação da área em que se situa a nova capital, nasce de um projeto do deputado Nogueira Paranaguá, em 1892, o qual autoriza "a exploração e demarcação, no planalto central, do território da República, da superfície destinada à nova Capital". Como resultado dessa iniciativa, o presidente Floriano Peixoto, mudancista entusiasta que era, criou em maio de 1892, uma Comissão presidida por Luiz Cruls, diretor do Observatório Nacional, e de mais três membros: o astrônomo Henrique Morize, o botânico Ernesto Ule e o geólogo Eugênio Hussak, os quais chegam com uma equipe ao planalto central no dia 1º de agosto de 1892. Ao anunciar a medida ao Legislativo, Floriano Peixoto afirma que "o Governo trata de fazer seguir para o planalto central a Comissão que deve preceder a demarcação da área e fazer sobre a zona os indispensáveis estudos", pois "reputa de necessidade inadiável a mudança da Capital da União".

A comissão presidida por Cruls cumpre, segundo os críticos, sua missão a contento, demarcando, no Planalto Central de Goiás, um quadrilátero com 14.400 quilômetros quadrados. Os trabalhos têm uma duração de quatro anos, atingindo, assim, parte do governo do Presidente Prudente de Moraes. A partir de então, a área destinada ao futuro Distrito Federal passa a figurar nos mapas cartográficos.

Passam-se oito anos (de 1896 a 1904) sem que nenhuma providência seja tomada a respeito das conclusões e medidas sugeridas pela Comissão Cruls.

O senador piauiense Nogueira Paranaguá que, quando deputado, em 1892, promove o primeiro passo para a demarcação do Quadrilátero Cruls, ressuscita o assunto, em 1905, com uma ênfase tal que o transforma na principal questão em debate na época. Paranaguá conta, para a sua "Campanha Mudancista", com o apoio de jornalistas prestigiados como Olavo Bilac, Medeiros e Albuquerque, Souza Bandeira e Euclides da Cunha, entre outros.

Nos debates da época, as manifestações de Joaquim Maria Machado de Assis, gênio das letras, é cortante. Entre 1892 e 1896, com palavras afiadas, aborda o assunto cinco vezes em sua crônica semanal na "Gazeta de Notícias". Irônico, chama o Rio de capital interina. E garante que, "se viver", vai participar da inauguração da nova capital. Mas, se não viver, "a inauguração pode fazer-se sem mim, e tão certo é o esquecimento, que nem darão pela minha falta".

O apoio e a repercussão dados pela imprensa ao movimento lançado pelo representante piauiense permite um movimento de opinião que culmina, em 1921, com a aceitação, pelo presidente Epitácio Pessoa, de incluir, no Programa Comemorativo do Primeiro Centenário da Independência, o lançamento da Pedra Fundamental de Brasília, no Planalto Central, por sugestão dos deputados Americano Brasil e Rodrigues Machado.

A propósito do centenário da Independência, em 7 de setembro de 1922, o governo Epitácio Pessoa faz assentar pedra fundamental da futura capital, dando, desta forma, um endereço geográfico à nova Capital.

Placa fundida em São Paulo, no Liceu de Artes e Ofícios, é colocada no Morro do Centenário, em Planaltina, então Goiás, com os dizeres: "Sendo presidente da República o senhor doutor Epitácio da Silva Pessoa, em cumprimento ao dispositivo do Decreto nº 4.494, de 18 de janeiro de 1922, foi aqui colocada, em 7 de setembro de 1922, ao meio-dia, a pedra fundamental da futura Capital Federal dos Estados Unidos do Brasil".

Fato curioso ocorre neste período, precisamente no ano de 1908, quando o engenheiro francês Leyret propõe ao Congresso, segundo Americano Brasil, "o privilégio para a construção da Capital, mediante a concessão de determinados favores, como exploração, por noventa anos, de luz, esgoto e água" e, em contrapartida, oferece ao governo "o plano da cidade, todos os palácios necessários para a instalação dos serviços federais e municipais". A proposta é seriamente examinada e depois aceita, desde que o interessado possuísse "os capitais necessários". Leyret faz uma viagem à França e não mais volta.

Passam-se doze anos – de 1922 a 1934 –, sem que nada mais se fale de Brasília. A "Pedra Fundamental", lançada por Epitácio Pessoa em 1922, não tem significado para seus sucessores. Em 1934, ao ser elaborada nova Constituição, a interiorização volta aos debates, nascendo daí o seguinte dispositivo:

"Será transferida a Capital da União para o ponto central do Brasil. O Presidente da República, logo que esta Constituição entrar em vigor, nomeará uma Comissão que, sob instruções do Governo, procederá os estudos das várias localidades adequadas à instalação da Capital".

Apesar dos estudos anteriores e até da placa do Centenário, até o local volta a ficar indefinido. Vargas, pessoalmente, não era favorável à transferência.

Em 1937, vem o golpe do presidente Getúlio Vargas que institui o Estado Novo, regime ditatorial que vai se estender até 1945. Nova Constituição, então outorgada, não trata do assunto. Em visita a Goiânia, em 7 de agosto de 1940, Vargas lança a "Cruzada Rumo ao Oeste". Em seu discurso, ele diz: "O vosso planalto é o miradouro do Brasil. Torna-se imperioso localizar no centro geográfico do País poderosas forças capazes de irradiar e garantir a nossa expansão futura". Em nenhum momento menciona ou insinua que a construção de nova capital seria parte dessas forças. O Estado Novo não quer a capital em novo Estado.

Contudo, a partir de 1942, os rumos da Segunda Guerra Mundial começaram a mudar, abalando um dos alicerces do Estado Novo e favorecendo a luta interna pela democratização. Diante das pressões internas e externas, cada vez maiores, o governo Vargas obrigava-se a fazer recuos táticos e a articular novas manobras. Prometeu eleições gerais, diminuiu a censura da imprensa e permitiu a volta dos partidos políticos.

Em 1945, Getúlio Vargas decretou o Ato Adicional, marcando o prazo das eleições gerais. Em março, pressionado por grupos de militares até então comprometidos com a ditadura, Getúlio lançou como candidato à sua sucessão o ministro da Guerra, General Eurico Gaspar Dutra.

Com a democratização e a instalação de Assembléia Nacional Constituinte no ano seguinte, o tema mudancista volta ao cenário político. Mas o primeiro anteprojeto de constituição não incluía o dispositivo da mudança da capital. O constituinte mineiro Arthur da Silva Bernardes, presidente da República no período de 1922-26, sugere em abril de 1946 a inclusão de preceito idêntico ao da Constituição de 1891. Logo surgem duas novas propostas: João de Campos Café Filho, do Rio Grande do Norte, quer a capital na recém-inaugurada Goiânia (cidade planejada). Mas Benedito Valadares Ribeiro, de Minas Gerais, preconiza área do fértil Triângulo Mineiro – que é a proposta aprovada na Comissão. Mudança para "a região central compreendida entre os rios Paranaíba e Grande", no Triângulo Mineiro, em uma área próxima aos corações geográfico e econômico do País, titular de respeitável infra-estrutura econômico-social, inclusive considerável base urbana. Isso resultaria em prazo de construção menor e sobretudo em custo de implantação inferior.

No plenário, a transferência para Minas tem o apoio de constituintes destacados, como os mineiros Daniel de Carvalho e os dois futuros pilares da construção de Brasília: Israel Pinheiro da Silva e Juscelino Kubitschek de Oliveira. Em 1946, eles defenderam vigorosamente a localização em Minas, lastreados em estudos preparados pelo engenheiro Lucas Lopes. A bancada de Goiás – com outros – admite Goiânia como opção temporária, mas luta tenazmente pela alternativa Cruls, a que prevalece na votação final (cinco votos a mais que o Triângulo Mineiro).

O artigo quarto das Disposições Transitórias da Constituição de 18 de setembro de 1946 determina expressamente a transferência, mas não define data para a conclusão dos trabalhos técnicos e início das obras e nem para a mudança:

"Art. 4º – A Capital da União será transferida para o Planalto Central do País.

Parágrafo 1º – Promulgado este Ato, o presidente da República, dentro de sessenta dias, nomeará uma comissão de técnicos de reconhecido valor para proceder ao estudo da localidade da nova Capital.

Parágrafo 2º – O estudo previsto no parágrafo precedente será encaminhado ao Congresso Nacional, que deliberará a respeito, em lei especial, e estabelecerá o prazo para o início da delimitação da área a ser incorporada ao Domínio da União.

Parágrafo 3º – Findos os trabalhos demarcatórios, o Congresso Nacional resolverá sobre a data da mudança da Capital.

Parágrafo 4º – Efetuada a transferência, o atual Distrito Federal passará a constituir o Estado da Guanabara".

Militar disciplinado e legalista, o presidente Eurico Gaspar Dutra cria, dois meses depois, a Comissão de Estudos para a Localização da Nova Capital do Brasil, chefiada pelo general Djalma Poli Coelho. Reúne engenheiros, agrônomos, geólogos, higienistas, médicos e militares. É a chamada Comissão Poli Coelho. Sob o argumento de aproveitamento de série de trechos fluviais na fixação dos limites – para simplificar a questão da passagem das terras à jurisdição federal –, ela amplia o quadrilátero de Cruls para o norte e chega a área de forma irregular de 77.250 quilômetros quadrados. Mais de cinco vezes o quadrilátero original.

Trabalho concluído, muita esperança dos mudancistas e nada mais. Depois do relatório da Comissão Poli Coelho, o assunto ainda se arrasta no Congresso por mais de cinco anos.

Em 1950, Getúlio Vargas foi eleito para a presidência da República, derrotando os candidatos da UDN (Eduardo Gomes) e do PSD (Cristiano Machado). Volta então ao começo: determinação de novo estudo da localização, mas agora fixado prazo máximo de sessenta dias para seu início e de três anos para a conclusão. É a Lei nº 1.803, de 5 de janeiro de 1953. No artigo 1º, ela autoriza estudos definitivos na região do Planalto Central compreendida entre os paralelos sul 15º30' e 17º e os meridianos W.Gr. 46º30' e 49º30' – o chamado Retângulo do Congresso –, visando à escolha do sítio da nova capital federal. No artigo 2º, define:

"Em torno deste sítio, será demarcada, adotados os limites naturais ou não, uma área aproximada de 5.000 quilômetros quadrados, que deverá conter, da melhor forma, os requisitos necessários à construção do Distrito Federal e que será incorporada ao Patrimônio da União".

Em 8 de junho de 1953, o presidente Getúlio Vargas assina o Decreto nº 32.976, que cria a Comissão de Localização da Nova Capital Federal, presidida pelo general Aguinaldo Caiado de Castro, na época chefe da Casa Militar da Presidência da República. Este rapidamente contrata levantamento aerofotogramétrico completo de 52 mil quilômetros quadrados do Retângulo do Congresso. Área tão extensa que incluía Anápolis e Goiânia (Goiás) e parte de Unaí (Minas). A aerofotogrametria é entregue em janeiro de 1954. A Comissão da Nova Capital então viabiliza assinatura de contrato entre a Comissão do Vale do São Francisco e a firma norte-americana Donald J. Belcher and Associates Incorporated, de Ithaca, Nova York, especializada em estudos e pesquisas baseados em interpretação aerofotogramétrico para levantamento de mapas básicos da região; relatórios gerais sobre cada área selecionada; relatório geral com os dados básicos dos vários sítios e acompanhado de modelos em relevo e fotos oblíquas, de modo a permitir a comparação dos respectivos atributos e a escolha do local mais adequado à implantação da nova cidade.

Antes da conclusão dos trabalhos da Donald J. Belcher – duram de abril de 1954 a fevereiro de 1955 –, ocorre o suicídio do presidente Getúlio Vargas, em 24 de agosto de 1954. O mapa político do País muda radicalmente. Assume o vice-presidente oposicionista João de Campos Café Filho, potiguar de Natal, que substitui o general Caiado de Castro pelo marechal José Pessoa Cavalcanti de Albuquerque – paraibano de Cajazeiras, combatente na Primeira Guerra Mundial, idealizador da construção da Academia Militar das Agulhas Negras – na presidência da Comissão de Localização. Homem determinado, reto e decidido, José Pessoa abraça o projeto como desafio pessoal. Entra nele de corpo e alma, quase obsessivamente. Antes de tudo, mergulha fundo nos estudos preliminares da Belcher. Eles apontavam cinco sítios, cada qual com mil quilômetros quadrados e pintado em cor diferente dentro do chamado Retângulo do Congresso: verde, vermelho, azul, amarelo e castanho.

O marechal Pessoa decide conhecer imediatamente a área. Apesar de idoso, não se poupa. Faz viagem extenuante. Toma avião no Rio de Janeiro, pousa em Pirapora (Minas) e continua até Formosa (Goiás), onde passa a noite. No dia seguinte, voa para Planaltina (Goiás), daí, de jipe, realiza várias incursões cerrado adentro na área estudada. No final, manda tocar para o ponto mais elevado, localizado no Sítio Castanho do mapa da Belcher, com até 1.172 metros de altitude. Mas não apresenta suas conclusões naquele momento, prefere aguardar o término dos trabalhos contratados, que recebe menos de um mês depois, no final de fevereiro de 1955. É o Relatório Técnico sobre a Nova Capital da República, conhecido como Relatório Belcher. Finalmente, reunida em 15 de abril de 1955, a Comissão de Localização da Nova Capital compara vantagens e desvantagens das cinco áreas prioritárias para a construção da cidade. Opta pelo Sítio Castanho – 25 quilômetros a sudoeste de Planaltina. Define também o perímetro do futuro Distrito Federal – cerca de 5.850 quilômetros quadrados. Em maio de 1955, o marechal José Pessoa manda fincar cruz de madeira no ponto mais alto, considerada marco fundamental da cidade, onde fica hoje a Praça do Cruzeiro (onde há uma réplica da cruz, a original foi levada para a Catedral Metropolitana). Profundamente católico, o perseverante Pessoa sugeriu dar à nova capital o nome de Vera Cruz – é lá no Cruzeiro, dois anos depois, maio de 1957, a cidade fervilhando de obras, que Dom Carlos Carmelo, arcebispo de São Paulo, reza a primeira missa.

No dia 4 de abril de 1955, Juscelino Kubitschek, então candidato à Presidência da República, promove um "diálogo democrático" em comício público, na cidade de Jataí (Goiás). Provocando a platéia para que participasse, é questionado por Antônio Soares Neto (Toniquinho da Farmácia) que lhe indaga "se, eleito, mudaria a Capital do Brasil". Juscelino responde que "sendo a mudança um preceito constitucional", seu "Governo daria os primeiros passos". Jataí fica presente no espírito de Juscelino Kubitschek e, ao assumir o Governo, coloca a mudança da Capital como "Meta Síntese" da sua administração.

Cinco dias após a sua investidura na Presidência da República, Juscelino Kubitschek chama, no dia 4 de fevereiro de 1956, ao Palácio do Catete, no Rio, o marechal José Pessoa, o qual durante o Governo de Vargas/Dutra presidira a Comissão de Localização da Nova Capital. O encontro é da maior importância, pois o presidente inteira-se do que já existe sobre a mudança e quais as providências iniciais para efetivar o preceito constitucional.

Procurado pela imprensa, o marechal José Pessoa faz um relato completo sobre suas observações no Planalto Central, onde encontra "um clima ameno, seco e salubérrimo, a cerca de 1.150 metros acima do mar, o que fará da nova Capital um lugar ideal para se viver e trabalhar, cercado de belos panoramas e magníficos horizontes".

Poucos dias depois, os jornais noticiam a assinatura de Decreto Presidencial criando a Comissão de Planejamento da Construção e da Mudança da Capital Federal, em substituição à Comissão de Localização da Nova Capital.

Em sua primeira Mensagem ao Congresso, Juscelino Kubitschek se refere à "necessidade da construção da nova Capital do Brasil, no Planalto Central". Um mês depois, em abril de 1956, o Presidente assina, em Anápolis (Goiás), uma Mensagem ao Congresso, submetendo à apreciação das duas Casas a delimitação da área para o novo Distrito Federal, ao mesmo tempo que cria a Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil (Novacap).

Em setembro de 1956 é aprovada a Lei pelo Congresso, o Presidente Juscelino Kubitschek toma uma série de providências, entre as quais destacam-se as seguintes:

1. Convocação dos interessados, através de Edital, para o "Concurso Plano Piloto de Brasília", saindo vencedor o urbanista Lúcio Costa;

2. Israel Pinheiro é nomeado e assume a presidência da Novacap;

3. Oscar Niemeyer é contratado para planejar os edifícios da nova cidade (em 1942-44, Oscar Niemeyer desenhou o conjunto arquitetônico da Pampulha – primeiro grande projeto individual de Niemeyer e primeira grande obra pública de Juscelino Kubitschek).

Nos últimos meses daquele ano, homens e máquinas chegam à região, levantam-se as primeiras barracas, e, sem perda de tempo, começa o formigueiro de obras, funcionando dia e noite.

Enquanto isto, Bernardo Sayão deixa o cerradão do Planalto Central para enfrentar, com seus homens e máquinas, a floresta virgem da Amazônia e nela construir a Rodovia Belém-Brasília, estrada conhecida como "caminho da integração nacional".

Mil dias de trabalho são suficientes para que técnicos, candangos e máquinas concretizem um sonho de tantos brasileiros, erguendo no "interior central" a Capital do Brasil.

O nome Brasília entrou na Lei 2.874 mediante emenda do deputado Francisco Pereira da Silva, do PSD do Amazonas, presidente da Comissão Parlamentar da Mudança da Capital, da Câmara dos Deputados, que assim resgatou a sugestão apresentada em 1823 por José Bonifácio de Andrada e Silva, o Patriarca da Independência. Juscelino Kubitschek considerou o nome perfeitamente adequado ao sentido integracionista da nova capital: "Brasília não iria se situar em local imediato às cabeceiras dos grandes rios, mas bem no coração do Planalto Central, o qual, por sua vez, é o coração do Brasil".

A 21 de abril de 1960, com uma solenidade que atrai o maior contingente de visitantes em toda a História do Brasil até então – 150 mil pessoas, entre representantes de outras nações, diplomatas, representantes do Papa, turistas e grande massa popular vinda de todos os Estados –, Brasília é inaugurada: o povo brasileiro dá ao mundo uma demonstração da sua fé e do seu trabalho; um homem de vontade tenaz e persistente entra na imortalidade: o Presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira. Litoral e interior unem-se no coração do território brasileiro, onde nascem os grandes rios e agora, também, as grandes estradas: as rodovias, ferrovias e a aviação ganham um ponto certo de partida; a "marcha para o interior" torna-se uma realidade; o Brasil caminha, a passos largos, para viver os grandes destinos que o futuro lhe reserva...